terça-feira, 26 de fevereiro de 2013

Profissão de princípios

Luiz Henrique Gurgel
Fomos conversar com especialistas e professores para falar de um tema pouco discutido nas escolas: a ética docente.
 • Que princípios devem balizar as acõess do professor?
• E necessário um código de ética, como de advogados e médicos?
• Conduzir-se eticamente é inerente à profissão de educador? 
• Que princípios devem regular a conduta dele?
 Antes de responder a algumas perguntas para esta reportagem, a professora Joana D’Arc Silva, da cidade de Aliança, em Pernambuco, disse que ser professora não era só uma profissão, mas “uma missão”. O atributo, desde sempre associado a educadores, também serviu muitas vezes para encobrir, por trás do “missionário”, o profissional de conhecimento específico e responsável por um serviço público essencial em qualquer sociedade: formar as novas gerações.
Todo educador, ao escolher a carreira, leva consigo os sonhos e um projeto de vida que dá sentido à própria escolha. Isso também implica conhecer e adotar os princípios que balizam as condutas do profissional de educação, dentro dos objetivos que a atividade exige. Por esse lado, é possível falar em “missão” do educador e, a partir daí, pensar em uma ética profissional. Mas, diferentemente do que ocorre em outras atividades, não existe um código de ética para professores, com indicação de regras de conduta específicas, capaz de dar conta de cada tipo de problema que possa surgir no trabalho docente.
Para alguns especialistas ouvidos por Na Ponta do Lápis, discussões sobre questões éticas relacionadas ao trabalho do educador são fundamentais. Eles só questionam a necessidade de um código desse tipo. “Quais seriam os marcos regulatórios específicos para o exercício da profissão? E o que isso difere dos princípios da boa conduta do cidadão responsável, comprometido com o dever do seu ofício?”, pergunta Isabel Cristina Santana, gerente da Fundação Itaú Social, com atuação em vários projetos educacionais pelo país. Para ela, ao se propor um código de conduta, o que existe é a preocupação com um código moral que regule comportamentos. “Quando se fala em ética, não dá para prescindir da existência de um sujeito livre para deliberar, que seja capaz de avaliar, prever e antecipar as consequências dos seus atos, ou seja, o exercício da ética pressupõe autonomia, a capacidade de se guiar por escolhas conscientes. É o contraponto da heteronomia, que é fazer as coisas porque a regra manda. E ter um código de conduta simplesmente para ter regras a serem cumpridas, isso já temos aos montes”, afirmou.
Ideia semelhante é defendida por Antonio Augusto Gomes Batista, coordenador de Desenvolvimento de Pesquisas do Cenpec e professor do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de Minas Gerais. Por achar difícil dar exemplos práticos, diante das muitas e variadas situações vividas pelo professor na escola, acha mais necessária a existência de princípios orientadores de condutas que apenas um conjunto de regras. Entre esses princípios, o mais importante, na opinião dele, é pensar que “o aluno está acima de tudo”. E, sendo assim, todas as ações do professor devem ser avaliadas de acordo com a sua função educacional e formativa. “Se não tem esse caráter, não é uma boa ação”, resume.

Mas o que fazer no dia a dia?
Dessa ideia geral, Batista chega a outro princípio: o de que o aprendizado do aluno é fundamental. Nada, portanto, pode prevalecer sobre a busca de ensinar ao aluno aquilo que ele deve aprender. E desse novo princípio, aí, sim, Batista exemplifica com uma regra prática, com base em uma situação vivida por ele próprio: “O professor está cansado, está no limite – eu já vivi essa situação. Ele não pode abandonar a classe e fazer outra coisa ou dizer: ‘Vocês vão fazer o que quiserem’, por mais cansado que esteja. Ele precisa dar aos alunos alguma tarefa que não seja apenas educativa, mas que também envolva o aprendizado. Ele deve se poupar naquela situação, porque não dá mais conta, mas tem de arrumar uma solução”.
Por assumir uma responsabilidade individual quando opta pela profissão, o professor não pode justificar nenhum tipo de omissão. Para Batista, apesar de toda a desvalorização da carreira, dos baixos salários e, em geral, das péssimas condições de trabalho, “nada justifica dizer: ‘Como eu recebo um salário de segunda classe, vou fazer um trabalho de segunda classe’. Isso é antiético e irresponsável”. Ele também considera inadmissível que um educador realize um trabalho de “segunda classe” pelo fato de ter, supostamente, alunos mais fracos ou desinteressados: “É comum termos casos de professor que leciona em escolas públicas e particulares e que faz, na pública, um trabalho pior que na particular. Há um descompromisso porque se pensa que o trabalho realizado com aquela população pode ser de segunda classe”.
Disso tudo decorre novo princípio, segundo o pesquisador: o de que, independentemente da origem social do aluno, a educação é um direito de todos. “Ela não é privilégio e deve ser igual e da mesma qualidade para todos. Não se pode diferenciar o trabalho que se realiza em razão da origem social, da raça, da orientação sexual ou da religião”.
 Retomar uma nova noção de autoridade
Outro aspecto diretamente relacionado à postura e ao trabalho cotidiano do professor foi apontado com destaque por quase todos os entrevistados: a questão da autoridade. Se em outros tempos o professor era visto como possuidor de um poder absoluto, de conduta inquestionável, hoje essa imagem já não predomina e ele precisa, diante de seus alunos, conquistar essa autoridade. “Essa é uma das grandes dificuldades de ser professor hoje”, confirma Batista. A queixa mais comum são os “malabarismos” que o educador tem de fazer para motivar e manter os alunos dedicados ao trabalho e ao estudo, já que retomar essa autoridade não significa exercê-la com arbitrariedade, sem deixar espaço para a liberdade de manifestação dos estudantes. O que é preciso deixar claro, nessa relação, é que existem limites para se respeitar. “Há pouco espaço para posturas autoritárias do professor, tão comuns até recentemente. Ele deve ter postura democrática, ser capaz de contribuir para a solução de conflitos e ter atitude de abertura para com toda a comunidade escolar, incluindo as famílias”, diz Célia Farias, professora de língua portuguesa na cidade de Malhada de Pedras, interior da Bahia.
Certos comentários podem gerar atritos, desarmonizar o ambiente escolar, lembra a professora Édina Freitas, de Içara, Santa Catarina: “O que conversamos em conselho de classe, encontros, reuniões, e até mesmo na sala dos professores, é mencionado em sala de aula, e muitas vezes com outra conotação”.
Para outro especialista, o professor e consultor Paulo Afonso Ronca, doutor em psicologia educacional pela Unicamp, uma “ação ética urgente” é retomar a valorização e a autoimagem do educador, fazendo com que ele próprio reconheça sua autoridade e a importância do seu trabalho: “Ser um professor ético é reconhecer que não é um mero transmissor de conhecimentos para os vestibulares da vida, mas um formador da personalidade de seus alunos. É reconhecer que a sua função na sociedade é uma das mais respeitáveis e cabe a ele ser agente de transformações sociais e políticas. Ele faz parte de um corpo de profissionais que têm o destino de um país nas mãos”, defende.
 A consciência do inacabamento
A relação docente-discente também passa, nas palavras de Paulo Freire em Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa (2006), pela “consciência do inacabamento”. O professor que conduz seu trabalho eticamente reconhece que os alunos e ele próprio estão em permanente construção e busca por conhecimento. “O desejo do saber deve guiar a ética do professor”, afirma Antonio Augusto Gomes Batista. “O professor ético abre os olhos e a alma para compreender o mundo ao seu entorno e responsabilizar-se por transformá- lo”, acentua Ronca. É uma unanimidade dizer que o trabalho do educador não pode estar baseado apenas no que ele já sabe. “É insuportável estar em sala de aula se você souber tudo ou pressupor que sabe tudo o que está ensinando. Fica insuportável estar em sala de aula quando o professor não aprende. É importante aprender com os alunos, com as situações que surgem, descobrir o tempo todo novas formas de ensinar. Professor que está sentado em cima do saber não consegue trabalhar e se torna um professor muito ruim, toma decisões éticas ruins”, conclui Batista.

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