sábado, 20 de outubro de 2012

Perigos da licença médica vitalícia

CLAUDIO SCHVARTSMAN - O Globo - 19/10/2012 - Rio de Janeiro, RJ
Na contramão da garantia da qualificação profissional e da segurança dos pacientes, Conselho Federal revogou a obrigação dos médicos de se atualizarem para atuar.
O grande desafio da medicina moderna é o de estreitar o fosso entre o conhecimento produzido pela comunidade médica de pesquisa e a atuação da comunidade médica praticante, ou seja, os médicos provedores da prática clínica e cirúrgica. A primeira inclui academia, indústria e entidades governamentais, e produz inovações na ciência e tecnologia médica, incluindo novos medicamentos, ferramentas diagnósticas e procedimentos terapêuticos e cirúrgicos. A segunda inclui clínicos e cirurgiões, novatos e veteranos, generalistas e especialistas. Estima-se que a prática médica mude cinco por cento todo ano para poder acompanhar o ritmo com que recursos diagnósticos e opções terapêuticas tornam-se obsoletas e são substituídas por novas práticas.
Para que a sociedade se beneficie efetivamente com os avanços da ciência, é necessário garantir que a informação produzida pela comunidade de pesquisa seja incorporada com relativa segurança e rapidez pela comunidade médica praticante. Por isso, em quase todos os países com medicina avançada, incluindo Estados Unidos, Canadá e praticamente toda a Europa ocidental, é obrigatória a comprovação de adesão a um programa de atualização para manter válida a licença para atuar.
No Brasil, onde há 370 mil médicos atuando em uma ou duas das 53 especialidades disponíveis, pouco se tem discutido sobre o desenvolvimento profissional continuado, que foca na fase mais longa e complexa da educação médica. Os médicos, cada vez mais, são forçados a manter-se atualizados em relação aos conhecimentos teóricos, continuamente em evolução, com obsolescência rápida, o que requer rapidez de aprendizagem, flexibilidade e adaptação.
Dentro deste contexto, o Hospital Israelita Albert Einstein criou em 2002 seu Programa de Educação Médica Continuada, que valida anualmente a atualização do médico de seu corpo clínico através de um sistema de pontos, obtidos através de cursos, jornadas, congressos, trabalhos científicos, entre outras opções de atualização. Em um esforço consistente e contínuo obteve a adesão crescente de seus médicos e hoje podemos nos orgulhar que chegamos a 100% do corpo clínico contratado.
Em âmbito nacional, a obrigatoriedade de atualização e educação continuada surgiu em 2005 (com a resolução CFM 1.772/2005) quando o Conselho Federal de Medicina, com apoio da Associação Médica Brasileira e todas as sociedades científicas de especialidades, instituiu o Certificado de Atualização Profissional para a revalidação dos títulos de especialista. Para isto, criou um elaborado sistema de pontos para atividades de ensino médico, mantido pela Associação Médica Brasileira e que previa revalidação quinquenal e exigência de um número mínimo de pontos para tal.
No início de 2012, quando a medida começaria a surtir efeito, infelizmente, ela foi revogada pelo Conselho Federal de Medicina, na contramão de uma tendência mundial de garantir a qualificação profissional e a consequente segurança do paciente. Lamentamos que isto tenha ocorrido e entendemos que, para o bem do Brasil, esta decisão venha a ser revista. Nenhum país pode se dar ao luxo em 2012 de ter médicos com licença vitalícia para atuar.

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