quarta-feira, 23 de janeiro de 2013

Quando o aprendiz mata o mestre

10/02/2012 20/01/2013
Quando o aprendiz mata o mestre
Cesar Augusto Dionisio
Uma aprendiz de 26 anos atropela, arremessa, quebra e mata um senhor de 80 anos de idade. Detalhes: a motorista não tinha carteira de habilitação e atingiu o senhor pelas costas. O senhor fazia sua caminhada matinal – cuidava da sua educação corporal. Isso é o que pode ser chamado de análise pedagógica prática: está tudo fora de lugar. Notícias assim invadem nossas telas. Aluno atira em professor, aluna atira em professora. E já disse que deveríamos chorar mais quando morre um idoso do que quando morre um jovem. Foi-se com ele a experiência. Fica em vida a falsa aprendiz, que não quer aprender e que me chama a fazer uma leitura educativa do mundo. Não há aula de educação para o trânsito quando os pais param em fila dupla na saída do colégio para pegar os filhos que entram no carro de nariz empinado e rabinho abanando. Os pais abanam o rabinho para os filhos. Ôxente! Está errado. É erro, equívoco, engano, tudo misturado num caldeirão onde cabem os mortos da falta de educação. Parece que toda vez que ligo a televisão para ver o noticiário sempre vejo “O advogado do diabolum”.
Se há um momento em que o jornalismo me deixa tristemente contente é quando se registra algo que não se saberia se ele não estivesse lá. Não para preencher ou encher a pauta, mas para sinalizar. É muito sintomático ligar a televisão e ver a aprendiz que mata o mestre, a motorista sem carta que atropela e mata o idoso e segue para casa para celebrar com os pais com uma garrafa de champagne. É sintoma de que: o rico tudo pode num País de deseducados, andam enfiando o pobre na faculdade para dar-lhe uma educação pífia e que não há punição – e a punição, mas não só a punição, creiam, educa. Sintomas de uma febre que cessaria caso os pais fossem pais de fato, caso o amor à profissão estivesse entre o material que se leva à escola – e não uma arma calibre 38 – se a escola soubesse o seu papel.
A escola não está conseguindo cumprir o seu papel simplesmente porque já não sabemos qual é o papel da escola. Estamos todos perdidos, cegos por um consumismo barato, mas que nos custa caro, orientados por um comportamento de manada – o que meu vizinho comprou eu também tenho que comprar, perdendo o controle de algo que parecia controlado. Pelo menos, parecia. Uma das piores pessoas que conheci neste mundo tinha pais que iam até a diretoria da escola, porque para lá foram chamados, e diziam “Imagine, vocês devem estar delirando; meu filho é um santo”. Eu conheci o diabolum. Ele tem pais assim.
Quando o aprendiz mata o mestre, sinto que a educação sofre um duro golpe. Matou-se um símbolo maior que o próprio professor. O que podemos aprender com um senhor de 80 anos? O que se pode aprender com uma motorista sem habilitação que mata a experiência de 80 anos?
Cada vez estará mais difícil viver neste planeta por causa dessas crianças que tudo podem. Crianças sem educação que tudo podem virarão jovens sem educação que podem tudo. E quando todos puderem tudo, a guerra dos ‘eus’ estará instalada. Não é guerra de Deus. É guerra de ‘eus’. Cada um olhando para o seu próprio umbigo, vai ser umbigada para todos os lados. E é nesse momento que a educação sorrirá contente. Pois aí precisaremos da educação e muito. Mais do que nunca. E quando mais e quanto mais se precisa da educação, é quando ela pode ser coroada e reinar de fato. E teremos nós, educadores, mais trabalho. E teremos nós, pais e mães, mais trabalho. Negar o ofício é pedir que o futuro se avizinhe com nuvens cinzentas sob um céu torto que treme e anuncia por raios cortantes a tempestade indecifrável inevitável. Tenhamos todos um bom ano de trabalho.
Artigo publicado na edição de dezembro de 2011 da revista Profissão Mestre.

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